Diz o artigo 1.052 do Código Civil que, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem pela integralização do capital social.
Uma vez integralizado o capital, os sócios não são responsáveis pelas dívidas da sociedade perante terceiros. Em face da referida distinção entre a pessoa jurídica da sociedade e as pessoas físicas dos sócios, os terceiros, nesse caso, apenas poderão exigir seus créditos, negociais ou de outra natureza, perante a sociedade, executando exclusivamente os bens que integrem o seu patrimônio, não lhes sendo dado avançar sobre o acervo patrimonial particular dos sócios, salvo situações excepcionais.
O tratamento jurídico é diverso quando o capital social não se acha integralizado.
Há divergência na doutrina sobre o meio processual adequado para que os credores exijam os seus créditos com vistas à parte faltante do capital social.
Entende Carvalhosa que podem os credores estender a execução ajuizada contra a sociedade para as pessoas dos sócios, de modo a atingir-lhes os patrimônios particulares.
Nesse caso, o processo executivo envolve a sociedade, em primeiro lugar, e os sócios, em seguida, preservando-lhes, isto é certo, o benefício de ordem, a assegurar-lhe o direito de apenas sofrer a penhora de seus bens depois de apreendido o acervo patrimonial da sociedade e desde que este não baste para a satisfação do credito exeqüendo.
Em razão da solidariedade, o credor pode pleitear o seguimento da execução contra todos os sócios ou contra algum ou alguns. Aquele que pagar em razão da parta faltante no capital da empresa fica com o direito de regresso contra os demais.
Ricardo Negrão expõe pensamento semelhante, com base na redação do art. 1.052 do Código Civil, verbis: “A lei nova, no que se refere à responsabilidade dos sócios, afasta-se da antiga redação do art. 9º do primeiro diploma, dissipando todas as duvidas em relação à obrigação do sócio-cotista pela integralização de todo o capital social, independente do evento falimentar”.
Há precedentes nesse sentido:
“Sociedade comercial – Sociedade por cotas – Responsabilidade limitada – Penhora – Incidências sobre bem particular de sócio – Admissibilidade, quando não demonstradas a integralização do capital e a regular extinção da empresa – Art. 2º do Decreto 3708/19 – Responsabilidade, porém, até o limite do capital social atualizado – Embargos de terceiro procedentes somente para excluir a meação da mulher – Recurso parcialmente para esse fim” (Apel. 391183-1, São Paulo, j. 23.8.1988, v.u, 7ª Câm. 1º TACivSP, Rel. Régis de Oliveira).
“Execução – Penhora – Sociedade por quotas – Bens de Sócio – Capital não integralizado – Admissibilidade. Admiti-se a penhora incidente em bens de sócio por dívidas de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, não comprovada a integralização do capital e nem indicado bens sociais idôneos que pudessem responder eficazmente pela obrigação” (AI 389.039, j. 30.8.1993, 1ª Câm. 2º TACivSP, Rel. Claret de Almeida).
Fabio Ulhoa sustenta entendimento diferente, com base no art. 50 da antiga Lei de Falência, que ainda vigora da nova Lei de Recuperação e Falência (Lei n. 11.101, de 9.2.2005), no sentido de ser a responsabilidade dos sócios de natureza subsidiária, não sendo possível a extensão da execução, do patrimônio da sociedade para seus patrimônios particulares, no mesmo processo. É necessária a decretação da falência da sociedade, competindo ao síndico o ajuizamento de ação de integralização de capital contra os sócios. Julgada procedente a ação e iniciada a execução da sentença, mesmo assim, a alienação do patrimônio próprio da sociedade não se mostrar suficiente para a satisfação dos créditos habilitados na falência.
Ainda conforme o entendimento deste segundo comercialista são excluídos dessa regra, relativa à decretação da falência como pressuposto da responsabilização do sócio pelo seu investimento na sociedade, só casos de dívidas tributárias (art. 135, III, do Código Tributário Nacional) e de dívidas da seguridade social (art. 13 da Lei n. 8.620/93).
Filiamo-nos ao segundo ponto de vista, e o fazemos porque a integralização do capital consiste em matéria própria da economia interna da sociedade, não tendo o terceiro nem legitimidade nem interesse em exigi-la em juízo. O terceiro é credor perante a sociedade, não perante o sócio, de sorte que não pode estender a execução, inicialmente ajuizada contra a sociedade, sua verdadeira devedora, para as pessoas dos sócios, uma vez que estes não sendo devedores diretos, não são legitimados passivamente para a causa. A legitimação passiva do sócio, que encontra permissivo no art. 790, II, do Novo Código de Processo Civil, neste caso não se aplica, por falta de causa de imputação de responsabilidade prevista no direito material. A responsabilidade do sócio, pela completude do capital social, existe perante a sociedade, não perante terceiros.
Vemos a possibilidade, entretanto, de o terceiro, credor, penhorar o direito de crédito que a sociedade tem perante o sócio remisso.
Assim, no processo da ação de execução ajuizada contra a sociedade, uma vez que não sejam apreendidos bens pertencentes a esta e que sejam bastantes à satisfação do crédito, e sendo certa a não-integralização do capital social, pode o exeqüente requerer ao juiz a penhora do direito de crédito que a sociedade tem perante o sócio remisso, como o faria, aliás em relação a qualquer direito pertencente à sociedade.
A penhora faz-se segundo as regras dos artigos 855 e seguintes do Novo Código de Processo Civil. O credor fica sub-rogado no direito da sociedade, ou seja, torna-se credor do sócio remisso. Neste caso, ele pode agir como substituto processual da sociedade executada, para afeito de cobrança do crédito penhorado. Mas, em vez da sub-rogação, pode o credor pedir a alienação judicial do direito penhorado, o que se faz, igualmente, no mesmo processo.
A sub-rogação do credor no direito da sociedade, para efeito de extensão dos atos executórios sobre os bens particulares do sócio remisso, apenas é possível quando o direito de credito penhorado estiver representado por título executivo. Não havendo título, resta para o credor a segunda alternativa, de alienação, em hasta pública, do direito penhorado, ficando para o terceiro arrematante a faculdade de exigir o crédito pela via processual adequada.
Essa solução, de penhora pelo terceiro, credor, do direito de crédito da sociedade perante o sócio remisso, é também defendida por Raimundo Carvalho, nestes termos: “A obrigação do sócio de integralizar a cota do capital por ele subscrita, conforme já salientamos, é debito dele, sócio, perante a sociedade que, inclusive, em fase normal de suas atividades, pode até deixar de exigir esse pagamento do sócio. O sócio remisso, por conseguinte, é devedor da sociedade, como qualquer outro, fato que não pode ampliar sua responsabilidade além da obrigação de pagar esse débito. De modo que ao credor da sociedade é facultado inclusive penhorar esse crédito que ele tem junto ao sócio, como, de resto, pode fazer em relação a qualquer outro crédito ou direito da sociedade; o que não pode, entretanto, é penhorar diretamente os bens do sócio, por quanto este não é seu devedor”.
Texto adaptado da Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada, de Itamar Gaino. 2ª edição, 2009. São Paulo. Saraiva, por Wellienay Nascimento, assistente jurídico do escritório Ribeiro Cervantes Advocacia Rural em Palmas/TO.