A questão referente à fixação do preço nos contratos agrários de arrendamento rural ainda é tema de muitas polêmicas na doutrina agrarista brasileira, mas, sobretudo, por conta da interpretação dada pelos Tribunais Estaduais e pelo Superior Tribunal de Justiça. Por conta disso, o presente estudo propõe realizar algumas considerações acerca do tema, dada a sua relevância para a segurança jurídica dos contratantes, eis que o arrendamento rural é um contrato largamente utilizado pelos produtores rurais.
O primeiro ponto que merece nota diz respeito ao fato de a palavra “preço” ter sofrido alteração semântica pela Lei nº 11.443/2007, quando alterou o art. 95 do Estatuto da Terra e, por consequência dos critérios hierárquico e temporal, os arts. 18 e 19 do Decreto nº 59.566/1966 (Regulamento dos contratos agrários), passando tal contraprestação ser agora chamada de “remuneração”.
Vejamos dita alteração, conforme consta na nova redação do já do art. 95, do Estatuto da Terra, em seu inciso XII:
XII – a remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a remuneração poderá ir até o limite de 30% (trinta por cento).
O doutrinador Wellington Pacheco Barros é pontual ao qualificar o tema da remuneração dos contratos de arrendamento rural como nebuloso. Afirma o referido jurista que é nesse tema do Direito Agrário que a legislação específica sofre a maior afronta, porquanto se pretende valer-se do princípio da liberdade contratual para reajustar a remuneração e suas condições e formas de pagamento, deixando de lado o forte dirigismo contratual que é imposto pelo Estado soberano.
Porém, a imposição feita pelo legislador é derradeira às demais práticas vistas no dia-a-dia do setor primário; não há falar em remuneração nos contratos de arrendamento rural que não a sua fixação em dinheiro. Quando se diz dinheiro, leia-se moeda corrente nacional, por sua vez, real. É o que expressa a alínea a do inciso XI, do art. 95, do Estatuto da Terra e o art. 18, do Dec. nº 59.566/1966, este, ao dizer: “O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.”
Muito embora da leitura da norma não se ventile qualquer dúvida, a questão da forma de pagamento pode ser no equivalente em produtos, ainda confunde arrendador e arrendatário, fazendo com que, nas cláusulas de preço/remuneração pactuadas, ocorra a sua fixação em forma diversa do que expressa na legislação.
Novamente, por uma proteção à parte supostamente mais fraca da relação, o estabelecido pela lei tende a ser protetivo, porquanto não submete o arrendatário às oscilações de preço de mercado, quando da fixação da remuneração em sacas de produtos colhidos, por exemplo.
Antonino Moura Borges afirma: “Em outras palavras significa que o contrato é sempre elaborado prevendo pagamento de renda em dinheiro, apenas época do pagamento o arrendatário pode ter esta opção, isto porque, se ele ia vender os produtos para pagar a renda a terceiros, porque não vender para o arrendante ou proprietário no mesmo preço de mercado? ”.
Ao fim e ao cabo, o que está por traz dessa norma é o impedimento de que a remuneração do contrato de arrendamento rural extrapole o limite legal previsto, o que muitas vezes ocorre por manobras dissimuladas de ambas as partes.
A proteção legislativa ao arrendatário não se limite aos artigos acima referidos, porquanto que no art. 19, do Estatuto da Terra, está previsto que, nos casos em que ocorra que a fixação da forma de pagamento deva ser realizada em frutos ou produtos – mesmo que respeitando o preço mínimo oficial, poderá o arrendatário optar pelo pagamento em dinheiro (moeda corrente nacional), com a finalidade de evitar fraude ou qualquer modalidade de simulação.
É de suma importância, para o fiel cumprimento do contrato, que a cláusula do preço/remuneração seja bem redigida, e em conformidade com a legislação agrária, pois, não o sendo, ensejará a nulidade absoluta da mesma, maculando todo o objeto do contrato e seu interesse econômico. Isso porquê, sendo a cláusula absolutamente nula, esta jamais terá eficácia, logo, não poderá ser exigida.
Em que pese a nulidade da cláusula resultar na ineficácia da mesma, tal condição não irá libertar o arrendatário da incumbência de pagar o arrendamento/aluguel da área explorada, se tiver havido o real uso da mesma, sob pena de caracterizar enriquecimento indevido. O que acarreta, na prática, tal vício contratual (nulidade da cláusula de remuneração/pagamento), é a sua impossibilidade de execução (através dos mecanismos processuais cabíveis, ação de execução de título executivo extrajudicial), porquanto o preço do título executivo, leia-se, o contrato de arrendamento em si, é ilíquido. Caso o arrendatário entenda por extinta sua obrigação de pagamento, caberá ao arrendador ingressar com a devida ação de fixação de remuneração de arrendamento rural, tendo por objeto principal da ação a nulidade de cláusula. Noutra ponta, caso pretenda o arrendatário pagar o preço, e o arrendador não o aceite, pois em inconformidade com a lei agrária, a ação de consignação em pagamento também sofrerá carência de liquidez e certeza do que se pagar, assim como nos casos de ação de despejo, quando ingressado em juízo pelo arrendador. A única solução, ao arrendador, para ver seu direito de contraprestação realizado, é o ajuizamento de ação de cobrança, onde haverá toda a fase de conhecimento, sentença, liquidação, para aí poder haver execução a plena satisfação do crédito.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entende de forma diversa, endossando tanto a validade da cláusula do preço estipulada em pagamento, leia-se, em total afronta a lei específica, bem como, endossando os mecanismos processuais que, de maneira idêntica, afrontam a lei processual civil vigente no país.
Percebe-se, das decisões citadas, oriundas do E. TJRGS, que os costumes encontram destaque como fonte de direito, os quais são resultados de condutas sociais, passíveis de serem condecoradas com valor normativo, ao passo que em consonância com os princípios e regras basilares do direito pátrio.
Em função disso, segundo José Fernando Lutz Coelho, “[…] se denota a possibilidade da fixação do preço em produto, em contrato de arrendamento rural, consoante os costumes do interior, usos locais, que deverão ser respeitados, e também para evitar o enriquecimento injustificado de um contratante em relação ao outro”.
Já o entendimento na Corte Superior pátria, reforma os julgamentos proferidos na segunda instância gaúcha, ao afirmar, veementemente, em recente julgado, que “é nula cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/1966. Essa nulidade não obsta que o credor proponha ação de cobrança, caso em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação”.
Percebe-se que as contradições se encontram então no âmbito jurisdicional, como na doutrina, porquanto há doutrinadores que entendem que a fixação da remuneração em produtos pode ser mais gravosa às partes, porquanto, noutra banda, a fixação em dinheiro da contraprestação tende a ser prejudicial. Ou seja, a questão é mais complexa do que se parece.
Por conta disso, merece destaque o ensinamento do professor Albenir Querubini, que, diante do cenário de insegurança jurídica, recomenda aos contratantes seguirem observando a regra de fixar a remuneração do arrendamento rural em quantia fixa em dinheiro, com a possibilidade do pagamento se dar em produtos, bem como refere o que se fazer nos casos de inadimplemento quando os contratos forem fixados em produto:
“Para evitar problemas aos contratantes diante de um cenário de insegurança jurídica, recomenda-se que os contratantes sigam observando a regra de fixar o preço do arrendamento em quantia fixa em dinheiro, com a possibilidade do pagamento se dar em produtos (se for o caso). Com isso, os produtores rurais evitam futuros gastos de tempo e dinheiro com demandas judiciais que possam trazer prejuízos ainda maiores do que o inadimplemento do arrendatário ou, até mesmo, inviabilizar o exercício do direito de retomada do imóvel agrário cedido em arrendamento. Já para os casos de inadimplemento nos quais o contrato de arrendamento foi firmado em produtos, a solução prática sugerida aos arrendadores é o ajuizamento de ação de cobrança cumulada com reintegração de posse ou, conforme o caso, ação monitória, lembrando que o arrendatário inadimplente continua obrigado a pagar pelas vantagens obtidas pelo uso do imóvel cedido em arrendamento, sob pena de atentar contra a função social dos contratos e a boa-fé contratual”.
E, conforme lembra o ilustre agrarista, é certo que a solução desse problema jurídico passa por uma necessária modificação legislativa. Inclusive, nesse sentido, o professor Albenir foi o primeiro a propor uma solução ao problema, ressaltando que bastaria o legislador “adotar critério de liquidação tal qual previsto hoje para a Cédula de Produto Rural financeira, prevista no art. 4ª- A da Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994”, possibilitando que os contratantes possam fixar remuneração do contrato de arrendamento rural em produtos quando se valerem de cláusulas de liquidação financeira válidas.
Fonte: Site do Direito Agrário
Data: 11/09/2017